quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O QUE SIGNIFICA "BATISMO COM FOGO" FALADO POR JOÃO BATISTA?

1.      
               
Por Jefferson Rodrigues                                
 Uma questão que intriga a muitos estudantes da Bíblia é a expressão profética usada por João Batista: “[...]ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo. (Mt 3:11b)”. Esta profecia é relatada em dois dos três evangelhos sinópticos, Mateus e Lucas. A primeira parte da afirmação é de entendimento quase unanime entre pesquisadores, ou seja, Jesus batizou com Espírito Santo no Dia de Pentecoste. A divergência ocorre principalmente sobre a natureza deste batismo, se regenerativo ou um revestimento de poder posterior a salvação, conforme já discutimos anteriormente. Todavia, a celeuma de maior envergadura acontece em torno da expressão “com Espírito e com fogo”(cf. Mt 3.11; Lc 3.16). A partir deste ponto as opiniões são divergentes entre teólogos, sejam eles pentecostais ou de outras correntes teológicas. A principal objeção nesta questão refere-se ao tipo de fogo que João se referia. Por acaso esse fogo é do Espírito ou Fogo do Juízo? Ou ainda: Seriam dois batismos, sendo um com Espírito para os fieis e outro com fogo para os infiéis? Por fim, será que o texto não faz alusão a um único batismo, como o descrito no dia de Pentecostes (At 2.4)?
Batismo com fogo
Passemos a analisar o contexto em que a profecia é dita, considerando Mateus 3.11 que diz: “E eu, em verdade, vos batizo com água, para o arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo”(Mt 3.11). Ao observar o contexto da citação, vemos que João encontrava-se no rio Jordão, cumprindo sua missão de preparar o caminho para o Messias (Mt 3.3). Ao que tudo indica muitas daquelas pessoas acreditavam que o Batista era o próprio Messias que viria libertar Israel (Mt 3.5,11), por essa razão João enfatiza que não era o “Esperado”, mas que ele, o Messias, seria exponencialmente superior ao profeta do Jordão. Para dar maior ênfase em sua fala João faz uma comparação de sua inferioridade. Em primeiro lugar destaca que o Messias seria mais poderoso que ele, e que não serviria nem mesmo para ser um serviçal que amarraria as sandálias do Cristo. Quanto ao poder do Messias, é feito um paralelo entre o batismo de João e o que Ele traria. Ao invés do Ungido de Israel batizar com água, ele imergiria o povo no Espírito Santo e com fogo. Ora, se o batizado com água era simbolicamente purificado pela água, assim também o batizado com fogo seria refinado e purificado pelo fogo, ou pelo menos estariam infinitamente mais sensíveis à ação do Espírito que conduz o homem ao arrependimento (Jo 16.8). João fazia o seu ouvinte compreender que o Batismo trazido por Jesus aperfeiçoaria os que seriam imersos na dimensão do Espírito e que seria uma demonstração visível da ação de Deus no meio do povo.
Não seria a primeira vez que o fogo seria sinal da presença do Altíssimo entre a nação de Israel, e é provável que João falasse sabendo que seus ouvintes compreenderiam esta ligação. Afinal, durante a libertação de Israel da escravidão egípcia Deus falou pessoalmente com Moisés através do fogo em uma sarça ardente (Ex 3.2) e guiou o povo pelo deserto através de uma coluna de fogo (Ex 13.22) que os direcionava durante a noite. Sem dúvidas, o papel do Messias incluía trazer libertação para Israel (Lc 4.18) e assim como foi com Moisés, o fogo mostraria o poder de Deus diante do povo. Não é atoa que a durante o Pentecostes os sinais visíveis da presença de Deus foram o vento e o fogo, mostrando que a ação libertadora de Cristo estava completa através da chegada do Espírito Santo.
Assim, entendemos que tal batismo é uma alusão direta a ação do Espírito Santo que foi manifesta em Atos 2, no dia de Pentecostes. Nossa afirmação se baseia na perspectiva que uma exegese desprovida de preconceito fara do texto, pois conforme nos diz o Dr. Russel N. Champlin, em seu comentário do NT: “a interpretação mais aceita é de que o fogo do v.11 indica o caráter do batismo do Espírito. Talvez o modo em que ele veio (no Pentecostes) tenha sido como vento, dotado de poder, força, como se fora um fogo impelido pelo vento; e quanto aos seus feitos seria isso a purificação do povo de Deus (na qualidade do fogo produziria a purificação) e transmissão de poder (usando a força do fogo)[...][1]”. Ralph Earle, comentarista bíblico, corrobora com esta posição ao citar o entendimento do erudito Henry Alford, autor do Greek Testament Commentary( Comentário do Novo testamento Grego), quando afirma que o batismo com fogo foi cumprido no Pentecostes, assim nos diz o comentarista: “isso foi literalmente cumprido no dia de Pentecoste[2]”. Ele ainda amplia o entendimento quanto ao caráter deste fogo: “está claro que [...] não é nada além do caráter de fogo da operação do espírito sobre a alma – procurar, consumir, refinar, sublimar – como quase todos os bons interpretes entendem essas Palavras[3]”. Igualmente, as palavras do erudito pentecostal José Gonçalves são deverás pertinente a este debate, quando diz: “a hermenêutica pentecostal destaca que esse é o entendimento que deve manter acerca dos eventos do Jordão, [...] entende que as palavras do batista, quando se referiu ao ‘batismo de fogo’ estão intimamente ligas as ‘línguas de fogo’ do Cenáculo (At 2.1-4)[4] .
 Assim, quando a Bíblia faz referencia ao fogo deve-se ponderar que nem sempre implica em um julgamento, no Antigo Testamento, por exemplo, muitas vezes o fogo vem como uma sanção da manifestação profética, tendo com isto um caráter positivo (Jr 5.14; 23.29); e ainda o fogo aparece sendo associado com o Espírito Santo (Jz 15.14). Consolidando o entendimento de que nem sempre o fogo está ligado ao juízo Divino, é válido observar o que nos diz Stanley M. Horton:
[...] em vista de sua ocorrência durante a festa de Pentecostes, o fogo significou a aceitação da parte de Deus do corpo da Igreja, por exemplo, o templo do Espirito Santo (1 Co 3.16; Ef 2.21,22) e, então, a aceitação dos crentes individualmente como sendo também templos do Espirito Santo (1 Co 6.19). Ele focaliza a atenção em incidentes do Antigo Testamento onde o fogo desceu sobre o altar, por exemplo, com Abraão, e na dedicação tanto do tabernáculo quanto do templo de Salomão[5].
Assim, quando observamos o contexto da afirmação de João Batista entendemos que ele trata sobre o caráter refinador do Espírito. Com isto não dizemos que batismo com o Espírito Santo produza santidade instantânea e completa (doutrina da perfeição cristã). O que afirmamos é que a imersão no Espírito tornará o cristão mais sensível aos apelos do Espírito e, portanto, o levará a viver uma vida que agrade cada dia mais ao Senhor, afinal é o Espírito que convence o homem de sua situação deplorável (Jo.8) e o faz mudar a rota em direção a Cristo. Portanto, é desta forma, que compreendemos a refinação do fogo do Espírito na vida do cristão.

O fogo do Juízo Messiânico

A despeito de todo o exposto acima, devemos salientar que não rejeitamos o sentido de juízo proposto no versículo 12 que afirma: Em sua mão tem a pá, e limpará a sua eira, e recolherá no celeiro o seu trigo, e queimará a palha com fogo que nunca se apagará”(Mt 3.12). É por ligar o versículo 11 a este que muitos intérpretes deduzem que João refere-se ao batismo com fogo para juízo. Não negamos que este versículo refere-se a um juízo, contudo, entendemos que se trata de juízo escatológico, é a algo vindouro. Percebam que dentro do contexto da superioridade messiânica João destaca que ele, o Ungido de Israel, traria um batismo superior ao seu; e aponta que para aqueles que não se arrependeram com sua pregação, a vinda do Messias revelaria a realidade de um juízo final. Nesta perspectiva é importante lembrarmos que Jesus será  aquele que julgará a humanidade (Jo 5.22; Ap 20.11) e que o final de todos os impenitentes será no lago de fogo que não se apaga (Ap 20.15).
Passemos a analisar as principais expressões deste versículo. “Em sua mão tem pá”, Jesus será quem separará aqueles que serão lançados no lago de fogo e os que entrarão na vida Eterna (1 Jo 5.12). O Dr. Champlin complementa essa ideia ao afirmar: “a pá é o símbolo do ministério Jesus; foram o ministério e a mensagem que efetuaram a separação, trazendo salvação ou juízo[6]”. “Recolherá no celeiro seu trigo”, os salvos tem a garantia de lugar de delícias na presença do Pai Celestial (Ap 21.3,4) e estes são comparados ao trigo pelo próprio Cristo (Mt 13.38), porém, os infiéis são comparados ao joio, uma forma infrutífera de gramínea (semelhante a palha). “Queimará a palha com fogo que nunca se apaga”¸ aqui vemos que este fogo é diferente do citado no versículo anterior (Mt 3.11); ele aparece como fogo de juízo, tendo em vista sua conexão clara ao fogo eterno, citado no livro das Revelações. Segundo o Apocalipse de João o destino dos infiéis será o Lago de fogo, vejamos: E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo”(Ap 20.15). Jesus também referiu-se a este lugar como um local onde fogo nunca apaga, sendo identificado como inferno (Mc 9.43). Portanto, entendemos que João se refere neste ponto ao caráter de julgamento que o Messias teria, porém, de acordo com uma analise geral das Escrituras este juízo assume uma perspectiva escatológica.

Considerações finais

Concluímos esta analise reafirmando que em Mateus 3.11, João Batista destacou que o ministério de Jesus seria superior ao seu em todos os aspectos, principalmente pelo poder que o Redentor de Israel apresentaria. Jesus viria a batizar o povo com o Espírito Santo e com fogo, sendo que este fogo aqui citado era a manifestação visível da presença do Deus Eterno no meio do povo (Ex 3.2; At 2.4). Todavia, não rejeitamos o entendimento exposto no versículo seguinte (Mt 3.12), onde aponta para um juízo dos impenitentes. Porém, acreditamos que esta afirmação é escatológica, pois desta forma encaixa-se com várias outras descrições do papel de juiz exercido por Jesus no Novo Testamento. É valido lembrar que enquanto este futuro escatológico não chega, a Bíblia apresenta Jesus como nosso advogado e não Juiz (1 Jo 2.1), porém, na consumação do século, o Senhor será visto como o juiz de todos (Jo 5.22; 2 Co 5.10; Ap 20.11). Assim, quando este juízo for estabelecido, os infiéis serão lançados no “fogo que não se apaga” (Mc 9.43; Ap 20.15).
Por fim, temos a consciência que não esgotamos a questão em torno deste texto, porém, esperamos ter lançado luz na interpretação destas profecias e acreditamos que pudemos esclarecer algumas dificuldades para aqueles que buscam compreender de forma mais ampla os textos Sagrados. 

Em Cristo, Jefferson Rodrigues





REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO


ARRINGTON, French L; STRONSTAD, Roger (Ed).Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. 4 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.
CHAMPLIN, Russel N. Comentário bíblico do Novo Testamento: versículo por versículo. Volume 1. São Paulo: Hagnos. 2014.
HORTON, Stanley M. A Doutrina do Espírito Santo: no Antigo e Novo Testamento. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1993.
________________. Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. 12º edição, Rio de Janeiro, Casa Publicadora das Assembléias de Deus- CPAD, 2010.
GONÇALVES, José. Batismo com Espírito Santo e com fogo. Disponível em:< http://pastorjosegoncalves.blogspot.com.br/2016/06/batismo-com-o-espirito-santo-e-com-fogo.html > acesso em 27 de setembro de 2016 as 19h43min.
PALMA, Anthony D. O Batismo no Espírito Santo e com Fogo. 4 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2011
SHELTON, James B. Mateus. Em: ARRINGTON, French L; STRONSTAD, Roger (Ed).Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. 4 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006



[1] CHAMPLIN, 2014, p. 283
[2] EARLE, Ralph. Evangelho segundo Mateus. In: Comentário Bíblico Becon, 2015, pp.42-43, VL. VI, NT.
[3] Idem, idem
[4] GONÇALVES, José. Batismo com Espírito Santo e com fogo. Disponível em: <http://pastorjosegoncalves.blogspot.com.br/2016/06/batismo-com-o-espirito-santo-e-com-fogo.html > acesso em 27 de setembro de 2016 as 19h43min.
[5] HORTON citado por STRONSTAD, 2011, p.61
[6] CHAMPLIN, 2014, p. 284, VL 1 NT

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